Você sabia que a ideia de infância mudou ao longo dos anos, na verdade ela se quer existia? Buscamos trazer a evolução e valorização que a infância foi tendo com o passar do tempo para que essa compreensão nos ajude a lidar com os desafios ainda existentes e assim possamos ser agentes de proteção consciente e constante de todos os direitos já conquistados nessa fase tão importante.
Como iniciamos, a ideia de infância como conhecemos hoje não existia na Idade Média. Naquela época não havia uma diferenciação entre adultos e crianças, assim como não existia o conceito de uma família nuclear como há atualmente. A criança após precisar dos primeiros cuidados, tornava-se nada mais que um adulto pequeno. Vestia-se e trabalhava espelhando o comportamento do adulto.
Os registros históricos indicam que por volta dos 7 anos de idade, a criança era enviada para a casa de vizinhos, parentes ou estabelecimentos para aprender um ofício e assim ter bons costumes ao servir outros. Também não existia a ideia de afeto àqueles que nasciam, a afeição é bem recente, muitos acreditam que isso se devia às grande taxas de mortalidade da época.
A separação entre fases adulta e infantil começa a existir junto do Iluminismo, quando os movimentos de reforma protestante e do moralismo iniciam a ideia de pureza infantil. Para eles as crianças seriam uma folha em branco, puras para serem transformadas e que se separadas dos adultos poderiam ser ensinadas, livrando a sociedade dos maus costumes.
Assim, nessa época surgem as primeiras escolas como internatos, especialmente, para elites, onde as crianças iniciavam estudos por volta dos seis anos. No Brasil Colônia, além dos internatos, iniciam as primeiras catequizações dos povos indígenas em território brasileiro, As crianças dos povos originários eram então separadas de suas famílias e suas vontades eram reguladas pelos donos desses internatos, os então jesuítas.
Tais ações eram construídas em torno desse ideal de separá-los das impurezas e treinar futuros adultos bem comportados e colonizados. Já os filhos de africanos escravizados eram iniciados no trabalho por volta dos 5 anos e não tinham direito a nenhum tipo de educação. Marcando desde então, as diferenças entre posses e infâncias a partir das origens familiares no território brasileiro.
Ao passar dos anos, o desenvolvimento populacional e urbano desordenado leva à institucionalização do abandono infantil, por volta de 1726, em Salvador, quando se instala o mecanismo europeu denominado “roda” dos enjeitados ou excluídos na primeira Santa Casa de Misericórdia. Essa roda era um tipo de cilindro giratório fixado em um muro, onde pessoas depositavam bebês de maneira anônima. A maioria dessas crianças eram bastardas e para proteção da honra e bons costumes sua existência era disfarçadamente silenciada.
Dali, essas crianças recebiam pouquíssimo cuidado e assim que possível era repassadas a mulheres, as amas secas, que não tinham condições de cuidá-las. Esse mecanismo foi um dos mais duradouros da história brasileira e só se encerrou pela ação dos higienistas, já por volta de 1950.
A infância, em especial da elite, começa a ganhar um diferenciação entre 1985 e 1990, quando são fundados os primeiro jardim de infância particular, privados aos filhos do sexo masculino dedicados a atender a alta aristocracia da época. Esses estabelecimentos inauguram o futuro das escolas e tinham como objetivo cuidar, higienizar e educar a criança para transmitir os valores sociais e morais da elite dominante. Foram esses jardins de infância que introduziram a partir dos novos conhecimentos médicos europeus a ideia de algum desenvolvimento infantil, já com acesso a brincadeiras e outros dispositivos pedagógicos.
Percebe-se que, por séculos, a infância foi tratada como uma fase sem particularidades, e que a depender de sua origem e gênero essa ideia irá permanecer por muitos anos ainda. E mesmo quando começa a ser pensada o pano de fundo eram os ideais civilizatórios imaginados na época, no sentido não de cuidar, mas de evitar criar futuros adultos marginais, assim:
"A ausência da compreensão da especificidade do tempo de ser criança explica em boa parte o atendimento precário às crianças; o descaso com o alto índice de mortalidade infantil devido ao perigo constante de óbito pós-natal e às péssimas condições de saúde e higiene da população em geral e das crianças, em especial, em vários momentos da história. Convém ainda destacar que a infância, como uma etapa de atenção particular com a criança, destacada do mundo adulto, longe do trabalho e educada nas escolas atingiu primeiro as crianças das classes abastadas". Célia Maria Guimarães).
A ideia de sentimentalizar a infância e a tornar uma fase diferenciada não apenas pela pureza intelectual e moral, só vai acontecer próximo da modernidade, quando a crianças se torna uma responsabilidade do estado. No Brasil, o marco é em 12 de outubro (por isso a data do Dia das Crianças) de 1927, no Palácio do Catete, onde o presidente Washington Luiz assina a lei que ficaria conhecida como Código de Menores. Essa é a lei inicial que daria um indício de primeira forma de proteção da infância. Nela nasce a ideia de maioridade penal, antes disso, não havia distinção entre as crianças e os demais condenados por delitos em geral, todos eram presos igualmente.
Ao avançar dos ano, dissemina-se a ideia de família nuclear e a importância do afeto com relação a infância, especialmente a primeira infância, isso se deve às evidências de estudos e experiências que mostraram que a forma de cuidado nessa fase tem grandes impactos na taxa de mortalidade infantil e várias outras consequências de saúde física e emocional para longos anos da vida do indivíduo. Assim, a evolução do cuidado infantil vai para além da higiene e cuidados físicos, e se insere a importância do vínculo afetivo.
“Experiências de vínculos afetivos frágeis na infância e situações de maus tratos podem resultar em estresse nocivo para a criança e comprometer a sua saúde, incluindo sua integridade física, seu desempenho acadêmico e seu ajustamento social e emocional no decorrer de sua vida.”
Neste sentido, o cuidado infantil é inserido em vários âmbitos e passa-se a haver o incentivo de saúde básica e saúde da família para práticas que visam evitar a separação da criança da família nuclear, e se inicia o inverso, estimular esse vínculo. O que se mostrou muito efetivo:
“O Brasil é uma das nações que têm se destacado por reduzir a mortalidade infantil e na infância. Entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de crianças de até 1 ano caiu 73,67% ” (ONU).
No entanto, se olharmos às ruas de nossas cidades e, em especial, os lugares socialmente mais vulneráveis encontraremos resquícios ainda fortes de uma infância pouco protegida e com a naturalização dos maus tratos por parte da maioria da sociedade a depender de sua origem.
Não por acaso a HAJA se origina a partir do cuidado à infância e esse continua ser seu foco. Sabemos que para a proteção dessa fase de vida é preciso dar condições e apoio às suas famílias. Isso é realizado através do acesso básico à saúde de gestantes e de crianças, também através das reuniões de apoio socio emocional às mulheres para que possam compartilhar experiências e superar seus desafios. Não menos importantes são os projetos socioeconômicos para que nenhuma criança precise sair da escola para trabalhar. Juntamente, temos o Projeto de Educação onde a criança e o jovem possam ter um lugar seguro para se alimentar, brincar, aprender e ter afeto.
De forma muito especial, a HAJA acredita no poder do afeto, no olhar atento para cada pessoa que participa de seus projetos. O afeto só pode ser desenvolvido com a presença e convivência constante, sempre prezando pelo respeito e a liberdade de todos.
Olhar a infância como uma etapa que foi construída e que demorou tantos anos para ser valorizada nos faz apreender que precisamos estar sempre contribuindo para a prática de uma infância protegida com seus direitos assegurados sejam em classe for. E contamos com a sua ajuda para continuarmos trabalhando e prol da valorização infantil, continue com a gente.
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