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Ninguém “escolhe” viver em área de risco

Atualizado: 17 de fev. de 2020






Início de ano é uma época de intensas chuvas na região Sudeste do Brasil. Dentre as várias áreas atingidas pelas chuvas, o Rio de Janeiro é um dos estados com o maior número de desastres do país, sobretudo, quando dizem respeito a inundações e deslizamentos de terra.


Tendemos a achar que tais desastres são fenômenos naturais, causados por níveis anormais de chuva, porém as variações climáticas são apenas uma parte do problema. Temporais intensos em uma área desabitada não vira notícia e nem provoca danos, aparentes, à vida humana. Assim, os fenômenos chamados de “desastres naturais”, que têm ocorrido em diferentes níveis no mundo, e, particularmente, no estado do Rio de Janeiro, resultam de um processo ligado, ao mesmo tempo, à ação humana.


A especulação fundiária e imobiliária carioca são algumas das variáveis responsáveis pela “escolha” do local de moradia em áreas consideradas de risco. Um grande número de moradores antigos de diversas regiões do estado do Rio de Janeiro são retirados de antigos terrenos por não terem em mãos documento oficial de suas terras, algo que foi bem comum com as construções para as Olimpíadas e a Copa do mundo na cidade. Acarretando no aumento da ocupação de populações em áreas marginais ao centro da cidade, propensas a vários riscos inclusive ambientais.


Outro problema enfrentado pelas zonas de risco diz respeito á injustiça ambiental, que ocorre através das políticas de exportação do risco e da poluição para bairros distantes das áreas mais turísticas e privilegiadas, como a Barra da Tijuca e a Zona Sul. Esses movimentos de exportação fazem com que se acumule uma grande quantidade de poluentes em uma só região, criando, de forma consciente, pelas políticas públicas, a impossibilidade do tratamento correto de resíduos e demais poluidores do ar, água e solo. Ocasionando graves problemas de saúde das pessoas que precisam viver na região.


E claro, soma-se a isso os efeitos das mudanças climáticas. Estudiosos do mundo inteiro vêm alertando governos e instituições sobre a necessidade de se preparar para momentos de instabilidade climática, os quais já parecem estar acontecendo. Isso significa criar um esforço massivo para buscar formas de lidar com graves problemas, principalmente, quando se trata da população vulnerável. Uma vez que, grupos sociais de maior vulnerabilidade socioeconômica tendem a ser mais vulneráveis a eventos climáticos como enchentes, secas e deslizamentos de terra.


Por mais que esses eventos também possam e acabam afetando a camada mais rica da população, esta possui maiores condições de se adaptar, resistir a tais impactos e de forma mais rápida. Um exemplo simples disso: o fato de se ter uma conta bancária que lhe permite ter um cartão de crédito, faz com que você consiga sair de casa com alguma possibilidade de autonomia econômica para refazer parte da sua vida. No entanto, se pararmos para pensar, grande parte das pessoas que vivem em áreas de risco se quer têm o registro de um endereço residencial, documento básico para abertura de qualquer conta. Esse é um mínimo exemplo, e que em pesquisas com sobreviventes de grandes desastres como furacões ter um cartão de crédito foi um dos responsáveis por permitir a rápida fuga de pessoas de suas casas, o que as levou a salvarem suas vidas.



Logo, tratar a questão ambiental é muito mais do que não usar canudos de plástico, evitar o consumo de carne, consumir menos. Tudo isso tem seu valor, mas para fazer diferença na vida de quem é mais afetada, é preciso mais. E o grande foco é aumentar o nível de resiliência das pessoas em vulnerabilidade socioambiental como é o caso das pessoas que participam dos projetos da HAJA, tanto no Morro do Borel, que como outros vários morros sofrem com falta de infra-estrutura, quanto na comunidade de Quatro Rodas, onde famílias moram em cima do antigo lixão da cidade, que com aumento da água ficam expostos a inúmeras doenças e sem moradia.


Aumentar a resiliência dessas populações, é brigar para que o governo olhe e se responsabilize por elas. No entanto, é, também, não esperar e unir forças com quem se importa, pois as necessidades são urgentes. Trabalhamos para aumentar o poder econômico e a autonomia das famílias, isso é essencial. Informamos de todos os seus direitos e lutamos juntos para que sejam usados. Unimos profissionais voluntários para dar maior acesso à saúde básica. Focamos na educação infantil em uma perspectiva mais humana e buscamos levar cultura e lazer para que se emponderem e entendam, sempre e cada vez mais, que são importantes e estaremos com elas, até todos perceberem o mesmo.


Para a sociedade civil, para os órgãos públicos, para as ONG’s ligadas ao meio ambiente, para as empresas (para todos) é muito importante que “os assuntos ambientais não sejam vistos sem serem consideradas as questões sociais, políticas, culturais e econômicas relacionadas à realidade que se encontram hoje os sujeitos em situação de risco e/ou desastre ambiental. Sabemos que há lacuna considerável em relação a políticas sociais e de habitação, que possam garantir à população de baixa renda e aos grupos minoritários condições dignas de moradia e de vida. Dentro desta linha de raciocínio, desabrigados, em geral, são estigmatizados pelo fato de residirem em área de risco ambiental, sendo enfatizada a questão da ocupação desordenada destes moradores, sem levar em consideração toda a complexidade e as contradições econômico-sociais que envolvem a “escolha” por este tipo de moradia” (Patricia Souza).

Precisamos de união, solidariedade e informação de qualidade para combater as grandes injustiças. Infelizmente, a realidade é muito mais complexa do que vemos nas notícias da TV. Jogar lixo no lixo é uma parte importante de tudo isso, contudo precisamos ter em mente que não é o suficiente. Ir além, buscar justiça socioambiental é um caminho mais complexo, mas mais efetivo. Contamos com seu apoio para estar junto, com a HAJA, nessa caminhada.




Materiais consultados:


Scoville-Simonds. M. e O’Brien. K. Vulnerability apudCastree. N.; Hulme, M. e Proctor. J. D. (2018). Companion to Environmental Studies. Routledge, Taylor e Francis Group. London and New York.


Souza, P. C. A. (2015). Vulnerabilidades Socioambientais e Estratégias Psicossociais com Sujeitos em Situação de Desastres Ambientais. Rio de Janeiro: UFRJ. 198f.


Souza, P. C. A.; Loureiro, C. F. (2014). Reflexões sobre os desastres ambientais no estado do Rio de Janeiro: questões socioambientais e psicossociais. Revista Vitas, v. 4, n. 8.


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